Monsenhor Nunes Pereira e a defesa do património
Monsenhor Nunes Pereira era uma homem com inúmeras qualidades, e uma das que lhe admiro, para além do seu talento e humildade, era a de ser um defensor acérrimo do património.
A digitalização que se segue foi retirada da Comarca de Arganil de 14 de fevereiro de 1936. É um texto escrito por Monsenhor Nunes Pereira e um desenho de Avô feito por si, em Côja.
O assunto do artigo é o sítio da construção da escola de Avô. Monsenhor diz terem sido feitas várias reuniões para encontrar o local da futura escola e que até houve uma sugestão que a escola deveria ser feita no local do Castelo de Avô.
Monsenhor Nunes Pereira, em relação a este assunto, diz: "Não sendo eu de Avô, pouco me pode interessar a escolha do local para a nova escola; porém, como estudioso dos nossos monumentos, julgo ter o direito de discordar da escolha do Castelo para a referida construção. O Castelo é o Castelo, e mais nada deve ser, e isso lhe basta para se impôr. Construir edifícios dentro dele, ainda que seja uma escola, é profaná-lo. Em vários castelos se teem construido igrejas, cemitérios, etc., mas foi numa época de ignorância em matéria arqueológica. Hoje, vemos doutra forma os castelos, e assim é que a Capela de Santo António, junto ao Castelo de Montemor, está condenada a desaparecer. O castelo de Avô, em minha humilde opinião, deve ser venerado, acarinhado, restaurado se for possivél, mas não profanado. Se, porém, houver opinião contraria mais autorizada, façam o que entenderem."
E ainda, no mesmo artigo, em relação à demolição dos balcões de Avô, diz: "Consta-nos que a junta de freguesia, logo que o tempo melhore, vai mandar proceder à demolição dos balcões aqui existentes e continuar com os trabalhos da Rua Diamantino da Fonseca. Eu não sei se a junta vai demolir todos os balcões de Avô, ou se apenas os da rua Diamantino da Fonseca, e também ignoro se realmente é necessário demolir os balcões daquela rua. O que quero deixar bem expresso, é o meu protesto veemente contra a má vontade aos balcões. Com que amargura Marques Abreu se referia, há tempos, a essa postura de certas câmaras que pretendem banalizar as nossas vilas e aldeias tão típicas e interessantes, que devem o seu cunho especial precisamente às varandas e aos balcões! E com que amargura também eu recordo o lindo alpendre ou balcão quinhentista da casa mais antiga de Côja, ali à Praça, o qual foi demolido sem necessidade alguma, para em seu lugar se erguer uma casa vulgar e inestética! Mas valerá a pena a gente protestar? Hoje não se olha o que é belo; olha-se o que dá lucro. É, todavia, necessário que alguém vá remando contra a maré, para que amanhã não tenhamos que lamentar o desaparecimento de todos os balcões da nossa linda Beira."
A Comarca de Arganil, n.º2.221, de 14 de fevereiro de 1936.
Se nos dias de hoje, continua a ser difícil fazer ver o quanto é importante preservar o que restou do nosso património, imaginem a dificuldade de Monsenhor Nunes Pereira no início do século XX.